Gabriel e Ricardo Antão
Gamified Learning Experiences
Playing is learning. From our earliest childhood, we experience our environment to learn. As a result of this learning, we have fun and therefore, we call it playing. As we grow, the words game or playing seem unserious and we use learning instead, but playing and learning are the same things.
(C. Villagrá-Arnedo et al., 2016:82)
Estas palavras com que abrimos o texto remetem-nos para um conceito de ensino-aprendizagem que tem sido alvo de crescente interesse na área da educação: a gamificação [1] das experiências de aprendizagem (Gamified Learning Experiences, em língua inglesa). O termo (na sua versão original, em língua inglesa) surgiu em 2002, mas apenas em 2008 foi relacionado com a tecnologia da educação. Traduz-se, essencialmente, na aplicação dos princípios de criação e elaboração dos jogos de vídeo, assim como no uso de elementos e mecânicas de jogos em qualquer outro processo, podendo até incorporar todas as particularidades dos jogos no processo de aprendizagem (C. Villagrá-Arnedo et al., 2016). Visto que desde a primeira crónica (podem relê-la aqui) que referimos as potencialidades das novas tecnologias, e sendo este um tema que nelas tem origem, acreditamos que seja algo merecedor da nossa atenção. E não é só porque gostamos de jogos de vídeo. A verdade é que estas ideias já são aplicadas em diversas áreas, e há bastante tempo. Em 2010 – há mais de 10 anos! – Tom Chatfield já apresentava uma Ted Talk sobre a complexidade dos videojogos, com possíveis aplicações noutras áreas, entre elas a educação/aprendizagem. [2] Qualquer pessoa que use uma aplicação de corrida consegue ver a aplicação dessas ideias, e certamente já sentiu a sua influência. Também em aplicações para aprender outros idiomas, por exemplo, o uso destas estratégias é explícito e tende a dar frutos (veja-se o enorme sucesso de aplicações como Duolingo, por exemplo). Mas vamos então tentar perceber melhor este conceito, e apresentar pontos de contacto com a música.
A gamificação é recomendada para áreas da vida quotidiana onde o tédio, a repetição e a passividade são predominantes, e onde se pretende encorajar um outro tipo de comportamento. Será que o estudo de um instrumento se poderá incluir nestas áreas? Decerto todos já passámos por alturas em que o estudo era extremamente aliciante, noutras nem por isso. E também todos conhecemos, certamente, casos de pessoas que não continuarem os estudos musicais por pura falta de interesse e motivação. [3] Por isso, estratégias que ajudem a combater esta questão são sempre bem-vindas.
De facto, os jogos (e consequentemente a gamificação) podem ser uma ferramenta poderosa. Inúmeros estudos indicam que os jogos encorajam a aprendizagem, uma vez que a diversão influencia este processo, aumentando a motivação e reduzindo o stress. Segundo o elucidativo artigo de Faiella & Ricciardi (2015), os oito elementos de jogos que costumam ser usados são: regras, objetivos e conquistas, avaliação e prémios, resolução de problemas, histórias, jogadores, ambiente seguro, sensação de domínio. Será que podemos encontrar estes elementos ao aprender um instrumento? Muitos. Talvez todos, com a orientação atenta de um professor. Porém, mais do que a existência de todos os elementos, devemos entender a importância da sua aplicação. Até porque esta não é uma solução milagrosa: como qualquer estratégia, acarreta benefícios e desvantagens, podendo ser detrimental se mal aplicada. Os agentes educativos não devem esperar resultados positivos apenas porque adicionaram uma mecânica de jogo ao curso que pretendem orientar (Brull & Finlayson, 2016). Caso não se entenda corretamente o design dos jogos de vídeo e as estratégias que motivam os jogadores, e aplicando o conceito apenas superficialmente, podemos criar uma falsa gamificação das experiências de aprendizagem (C. Villagrá-Arnedo et al., 2016).
Na verdade, alguns estudos indicam claramente que, após o efeito de novidade passar, estas estratégias podem mesmo piorar a aprendizagem, especialmente se estas aumentarem apenas a motivação extrínseca e não a intrínseca (Faiella & Ricciardi, 2015). Em suma, se apenas apresentarem recompensas sem aumentar a motivação interna do aluno, o processo não terá o resultado esperado. O objetivo da gamificação não é substituir a instrução, mas melhorá-la: se o conteúdo não ajudar os alunos a aprender, a gamificação não trará resultado algum (Landers, 2015).
Mas tentemos perceber como é que os jogos de vídeo conseguem manter o nosso interesse, mesmo quando apresentam uma grande dificuldade para os jogadores, e também fazer o paralelo com a música.
Os jogos devem ser divertidos, isto é, manter o prazer de quem os utiliza (não nos referimos apenas a entreter); se não gostarmos de tocar um instrumento, por exemplo, tal será visto como apenas uma tarefa, e teremos sempre vontade de fazer qualquer outra coisa que nos agrade mais.
Devem apresentar desafios que nos obriguem a esforçar, mas que sejam percecionados como possíveis de ser superados; também aqui o paralelismo com a música é direto, pois uma obra demasiado simples pode perder o interesse e uma demasiado difícil pode parecer impossível de tocar.
Não devem penalizar o erro, mas valorizar o esforço (isto é, criar oportunidade para que o erro seja visto como uma hipótese de aprendizagem, incentivando a conseguir atingir o objetivo); também em música nos focamos, por vezes, na demonização do erro, o que não é saudável. O importante é refletir no que aconteceu, e melhorar.
Devem ter as regras e objetivos definidos (afinal, quem é que quer jogar um jogo que não percebe?); tal como os videojogos podem ter objetivos a longo e a curto prazo, também na música podemos explorar esta estratégia, até para gerirmos mais eficazmente a nossa evolução.
Devem dar feedback ao jogador; também em música isto é essencial, pois ajuda-nos a reavaliar o nosso percurso.
Se pensarmos na aprendizagem de um instrumento como um jogo de vídeo, poderemos ter um professor como arquiteto da nossa aventura, criando desafios de curto e longo prazo, ajustados ao aluno, criando um ambiente seguro e proporcionando feedback. Também podem ser atribuídos prémios, na forma de novas obras para conquistar, novas oportunidades de apresentação em público, entre outras. Mas, e nestes tempos que não querem que se espere, nem mesmo pela próxima aula (tal como referimos nesta crónica)? Nos jogos de vídeo temos um feedback imediato, o que poderemos ter se nos gravarmos e nos analisarmos. Há também quem prefira colocar os seus resultados nas plataformas sociais digitais, e aqui é preciso ter algum cuidado. Investigadores alertam que as recompensas nos videojogos (crachás, moedas ou, por exemplo, gostos), ou comparando resultados socialmente, pode ser de certa forma penalizador para a motivação dos envolvidos.
Também é importante ressalvar que, recorrendo à gamificação, o empenho pode diminuir ao longo do tempo, o que atesta a necessidade de desafios especificamente desenhados para as capacidades dos jogadores. Por outras palavras, não só um aluno de instrumento poderá ter no professor o genial arquiteto da sua aprendizagem, que o compele a atingir metas mais ousadas mas exequíveis, como um músico profissional deve conseguir ser humilde mas sonhador, sabendo que metas se propõe a alcançar para que esteja constantemente motivado. O constante aperfeiçoamento dos jogos de vídeo, através de constante análise dos envolvidos, leva a que estes programas facilmente se consigam adaptar melhor às capacidades individuais; da nossa experiência em música, só uma constante análise crítica da nossa evolução (gravações de estudo) permite um redefinir de metas e objetivos para que a motivação intrínseca seja constante. [4]
Esperamos ter conseguido despertar a vossa curiosidade para uma possibilidade que, a nosso ver, pode ser aliciante. Conscientemente ou não, algumas destas estratégias já são aplicadas no ensino da música. Mas podemos sempre aprender mais, e boas ideias são sempre bem-vindas. E um joguinho, de vez em quando, sabe bem, especialmente se for com amigos. Tal como o fazer música.
Ricardo e Gabriel Antão
Referências:
Villagrá-Arnedo C., Gallego-Durán F.J., Molina-Carmona R., Llorens-Largo F. (2016) PLMan: Towards a Gamified Learning System. In: Zaphiris P., Ioannou A. (eds) Learning and Collaboration Technologies. LCT 2016. Lecture Notes in Computer Science, vol 9753. Springer, Cham. https://doi.org/10.1007/978-3-319-39483-1_8
Faiella F., Ricciardi M. (2015). Gamification and learning: a review of issues and research, Journal of e-Learning and Knowledge Society, 11(3): 13-21. ISSN: 1826-6223, e-ISSN:1971-8829
Brull, S., Finlayson, S. (2016). Importance of Gamification in Increasing Learning. The Journal of Continuing Education in Nursing, 47(8).
Molero, D., Schez-Sobrino, S., Vallejo, D., Glez-Morcillo, C., Albusac, J. (2021). A novel approach to learning music and piano based on mixed reality and gamification. Multimedia Tools and Applications, 80: 165-186. https://doi.org/10.1007/s11042-020-09678-9
Landers, R. N. (2015). Developing a Theory of Gamified Learning: Linking Serious Games and Gamification in Learning. Simulation & Gaming, 45(6): 752-768.
Bai, S., Hew, K. F., Huang, B. (2020). Does gamification improve student learning outcome? Evidence from a meta-analysis and synthesis of qualitative data in educational contexts. Educational Research Review, 30.
[1] Apesar de ser também utilizado o termo ludificação em artigos oriundos do Brasil, optámos por manter o termo comummente empregue em artigos da área.
[2] Podem ver o vídeo aqui: https://www.youtube.com/watch?v=KyamsZXXF2w
[3] Tal como mencionado por D. Molero et al. (2020).
[4] Para quem quiser saber mais sobre o assunto, recomendamos o artigo de Bai, S., Hew, F., e Huang, B. (2020).