Cinco Desafios da Música de Câmara

II. Área de Intervenção dos grupos camerísticos

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Eli da Glória Camargo Jr.

II. Área de Intervenção dos grupos camerísticos

 

As escolas oficiais de música em Portugal têm um grande potencial como Área de Formação para grupos camerísticos, desde que os professores atuem também na criação de sinergias entre grupos, promotores culturais e público. As apresentações públicas fora da Área de Formação são uma forte motivação que incide sobre fatores tão importantes como a frequência aos ensaios, a regularidade do estudo individual, ou os laços criados pela responsabilidade partilhada.

 

Na Área de Formação estão os professores, relações, espaço e ambiente que são familiares aos alunos. Aqui as audições são feitas para um público também já familiar, que se poderia descrever como sendo formado por ‘avaliadores’ (colegas e professores) e ‘apoiantes’ (amigos e família).

 

Recitais fora do espaço escolar, para um público formado apenas por ‘ouvintes’, onde os membros do grupo são considerados ‘músicos’ e não ‘alunos’ — é uma situação típica daquilo a que chamo Área de Intervenção. Nesta Área a desempenho dos ensembles é apreciado pelas qualidades imediatas da sua interpretação musical, e apoia-se apenas nas interações e cooperação atualmente realizadas em palco, onde os músicos constroem o seu próprio micro ambiente. É um facto conhecido pela maioria dos meus colegas que realizar recitais nestas condições potencia o rendimento académico dos seus grupos, mostrando que a mobilidade entre Áreas de Formação e de Intervenção enriquece o ensino artístico.

 

No centro de uma Área de Formação temos uma escola vocacional, pedagogia, relações pessoais, e familiaridade; numa Área de Intervenção temos um público desconhecido, nível de performance e prática artística. Atuar aí também exige coordenação de meios materiais que partem da Área de Formação, porque as combinações instrumentais condicionam não só as deslocações dos grupos, mas também da escolha de salas para os seus recitais. Grupos que integram piano, ou marimba não tem a mesma mobilidade de um trio de guitarras e este, por sua vez, é acusticamente vulnerável devido a sua delicada projeção sonora — este exemplo denota como pode ser intrincada a relação entre a formação instrumental e as potenciais deslocações de um ensemble académico.

 

Para um professor/empreendedor de Música de Câmara, criar condições de mobilidade para os seus grupos é o seu segundo grande desafio, que começa com o ano letivo e a escolha de formações instrumentais. Neste momento decisivo é preciso que o professor pense também como Produtor, e que inclua a logística como um valor a ser equilibrado com acústica, estética, repertório, nível dos alunos, etc.

 

Longe vão os tempos onde a música de câmara era elitista, criada e consumida como um produto sofisticado, apenas para algumas franjas da sociedade. Hoje todos os valores positivos de Arte são considerados parte de um bem comum que desafia a nossa criatividade também para chegar ao público. Muitos anos antes da atual pandemia já havia intenso questionamento sobre as formas de contacto entre artistas e espectadores, resultante das transformações profundas que a nossa sociedade sofreu ao longo de poucas gerações. O súbito crescimento da oferta de concertos ‘on-line’ é realmente impressionante, mas estes concertos têm qualidades próprias, que não substituem a intensidade da presença mútua de músicos e espectadores. É preciso relembrar o forte impacto das chegadas da rádio difusão, dos discos de vinil, da televisão, dos CDs, etc. — todas essas novas formas de difusão criaram questões que acabaram por enriquecer os contactos entre artistas e público. Como diz Paula Ribeiro ‘a dessacralização da ideia de concerto pela revisão e transformação dos seus rituais em outros modelos de ‘estar com música’ instigam a perceção que o espectador é, e sempre foi, produtor de sentido’ . ¹

 

A força da música em presença e o contacto direto com um público tem um valor acrescido na prática de pedagogia musical. Programar e promover as apresentações dos ensembles criados nas escolas implementa a pedagogia de alto nível, potencia o prestígio da escola como instituição atraindo parceiros e recursos para a Área de Formação — o ponto de arranque desta sinergia é a ação do professor na criação dos seus grupos, promovendo a sua mobilidade.

 

 

Eli Camargo Júnior criou grupos camerísticos nas escolas Canto Firme de Tomar, Conservatório Regional de Castelo Branco, Escola de Música do Choral Phydellius, Escola de Música do Orfeão de Leiria, Academia de Música e Dança do Fundão, Escola de Música do Conservatório Nacional de Lisboa, Instituto Piaget Campus de Almada. Criou projectos para as Classes de Conjunto que foram apoiados e monitorizados por instituições como o Núcleo do Ensino Artístico e o Ministério da Educação, incluindose ‘Grupos Não Convencionais’ no Conservatório Regional de Castelo Branco e na Escola Canto Firme, os Cursos de Música de Câmara do Fundão, os concertos das suas Classes de Música de Câmara no Conservatório Nacional de Lisboa - ‘Mares dantes navegados’ no Museu do Chiado e Museu Vieira da Silva, ‘Os quatro cantos da casa’ nos Dias da Música, CCB, e ‘Interface Acústico para um monumento’ no Mosteiro dos Jerónimos. É bacharel em Guitarra Clássica e foi atuante como solista em Portugal e no Brasil; é Licenciado em Composição pela ESML e Doutorado em Composição pela UE, onde efetuou a investigação ‘Sincronismo na Música de Câmara, estratégias composicionais’. É Professor no Conservatório Nacional de Lisboa.

 

¹ Paula Gomes Ribeiro, ‘Do espectador como espectador e da revisão do modelo de concerto, em Nowhere’. Revista Dacapo, Ad libitum, 02 de Maio, 2017.

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