Sandra Bastos
Agostinho Sequeira fez história no Prémio Jovens Músicos (PJM): foi a primeira vez que foi atribuído o Prémio Jovem Músico do Ano/Prémio Maestro Silva Pereira a um vencedor do nível médio. Aos 18 anos, o jovem percussionista de Corroios (Seixal), deixa Portugal para ingressar no Conservatório de Amesterdão, na Holanda. Na bagagem leva o reconhecimento do público que o aplaudiu em pé este fim-de-semana, no Grande Auditório da Gulbenkian.
“um sentimento de total reconhecimento pelo trabalho realizado”
“Ganhar o Prémio Maestro Silva Pereira - Jovem Músico do Ano foi algo muito especial. É um sentimento de total reconhecimento pelo trabalho realizado. Espero que me abra muitas portas para o futuro pois tenho a ambição de me projetar não só a nível nacional mas também europeu”, afirma Agostinho Sequeira.
No Concerto de Gala. interpretou na íntegra o Concerto para Percussão e Orquestra de Jennifer Higdon, em estreia nacional. Esta obra venceu em 2010 o Grammy para melhor Composição de Música Clássica Contemporânea. A compositora americana é também percussionista. Para Agostinho, foi uma experiência inesquecível: “Foi um momento bonito. Senti uma grande responsabilidade mas, ao mesmo tempo, senti- me muito apoiado pelas pessoas que me estavam a ver. Foi um momento onde eu pude exprimir todas as minhas emoções. Foi incrível tocar com a Orquestra Gulbenkian e o Maestro Osvaldo Ferreira, que demonstraram sempre uma grande disponibilidade em me ajudar para que as coisas pudessem correr da melhor forma possível. Estou-lhes muito agradecido”.
“manter os pés bem assentes na terra e continuar a trabalhar muito afincadamente”
O sonho foi realizado mas agora é hora de voltar à realidade: “Tenho de manter os pés bem assentes na terra e continuar a trabalhar muito afincadamente, como tenho feito até aqui”.
Segue agora para a Holanda, onde o espera o Conservatório de Amesterdão: “Estou a começar uma nova fase da minha vida, fora de casa e também do meu país. Vou me ambientar a este novo mundo e no futuro com certeza que irei abraçar vários projetos. Vou continuar a seguir o meu caminho, dando sempre o melhor de mim todos os dias.”
“a caminhada até à prova é realmente o que fica de mais importante para o futuro”
Voltemos ao PJM. Esta é a segunda vez que Agostinho Sequeira concorre e ganha o PJM. A primeira foi em 2014, com o Duo de Percussões da Metropolitana, com o qual ganhou o 1º Prémio de Música de Câmara, nível médio. “O que me leva a participar neste concurso é sobretudo o facto de me motivar ainda mais para trabalhar, pois fico focado num objetivo. Também o facto de ser um concurso muito reconhecido a nível nacional, que me poderá abrir portas no futuro”, explica.
Faz questão de deixar um agradecimento especial a toda a equipa do PJM: “É um concurso que motiva os jovens, que está muito bem organizado e tem uma equipa de logística fantástica que me ajudou muito”.
Para o jovem percussionista, “o importante num concurso não é só o ganhar prémios”, ou seja, “a caminhada até à prova é realmente o que fica de mais importante para o futuro”: “Eu acho que o PJM é uma iniciativa de eleição em Portugal. Não é apenas um daqueles concursos a que as pessoas vão porque querem ganhar reconhecimento. É sobretudo um concurso que está pensado e formatado também de forma pedagógica. É um incentivo para os jovens músicos deste país, para que continuem a trabalhar para alcançar os objetivos. Conheço muitas pessoas que mesmo não tendo ganho o PJM evoluíram muito graças à experiência que tiveram ao concorrer”.
“Acho muito importante ter um feedback de pessoas que não estão dentro da área, pois veem coisas diferentes”
Rigor, disciplina, concentração e muito trabalho. A receita acaba por ser a mesma para todos os concorrentes. Agostinho acrescentou mais um ingrediente: “Tentei também tocar o meu repertório para muita gente, mesmo não sendo percussionistas ou músicos. Acho muito importante ter um feedback de pessoas que não estão dentro da área, pois veem coisas diferentes do que um percussionista veria, e essas coisas por vezes são as que mais contribuem para a interpretação da peça e o seu consequente sucesso”.
Difícil foi aguentar o cansaço que se foi acumulando e, ainda mais, ter de concorrer diretamente com amigos de longa data: “Felizmente, penso que conseguimos gerir isso da melhor maneira, mas por vezes era difícil, pois era algo muito importante para todos e todos queríamos ser bem-sucedidos”.
“Quando entro em palco sinto-me feliz, realizado e com ambição de conseguir transmitir a minha mensagem”
Em palco sente “uma energia inexplicável e uma grande emoção”. Não fica nervoso, apenas ansioso pelo momento: “Quando entro em palco sinto-me feliz, realizado e com ambição de conseguir transmitir a minha mensagem para as pessoas que me estão a ver.”
“Sinto também uma grande emoção quando após saber os resultados, vejo os meus amigos e a minha família. Sinto que os deixei orgulhosos do meu trabalho”, acrescenta.
“se consegui alcançar os meus objetivos, muito o devo à Metropolitana”
A lista de agradecimentos é extensa: “Antes de referir as pessoas que foram mais determinantes para mim, é-me impossível não referir a Metropolitana. Foi para mim uma segunda casa, em todos os sentidos. Sempre fui apoiado em todos os meus projetos e se consegui alcançar os meus objetivos, muito o devo à Metropolitana.
Este apoio da Metropolitana é também consequência do trabalho irrepreensível que o Professor Marco Fernandes realiza na coordenação da Percussão. O Professor Marco Fernandes foi muito importante na minha formação quer como músico quer como pessoa. Há oito anos que me vem acompanhando e em especial nestes últimos três, fez-me crescer muito e estou-lhe muito agradecido.
Houve também outros professores que me ajudaram muito nesta caminhada e entre eles destaco o Miguel Herrera e o Andreu Rico que também acompanharam de muito perto o meu percurso”.
E, com é óbvio, a família e os amigos: “Todos eles tiveram um papel fundamental no meu percurso. Também os meus amigos que sempre foram uma âncora para mim e sempre depositaram muita confiança em mim. A todos eles estou muito agradecido”.
Tocava bateria e queria ser jogador de futebol
O pai inscreveu-o no Conservatório de Música da Metropolitana quando tinha 10 anos. Já tocava bateria mas queria ser jogador de futebol: “Sinceramente, sempre pensei que iria para lá estudar bateria e quando soube que não ia tocar bateria fiquei um pouco triste. Aos poucos fui me começando a integrar na escola...”
A paixão e a certeza da Percussão vieram pelas mãos do professor Marco Fernandes, que o inseriu em vários projetos com alunos mais velhos.
“Vivo com a ambição de inovar, principalmente na Percussão que é um mundo onde há ainda muito por descobrir”
Quer superar-se, independentemente dos objetivos que conseguir alcançar na sua carreira: “Não gosto de pensar em nenhum limite, espero ter oportunidades que me desafiem a ir ainda mais além”.
Ir mais além é fazer música nos grandes palcos da Europa. Mas há mais: “Vivo com a ambição de inovar, principalmente na Percussão que é um mundo onde há ainda muito por descobrir. Gostava de poder juntar a música com as outras artes performativas, pois é algo que me fascina. Encarnar uma personagem e entrar totalmente dentro do que estou a fazer, pois só assim o conseguirei transmitir. Gostava de guiar a minha carreira com base nesses ideais e focar-me sobretudo em música contemporânea pois a complexidade da sua linguagem fascina-me cada vez mais.”
“Esta desvalorização da música e dos músicos em Portugal é o que nos leva muitas vezes a pensar que no estrangeiro é o melhor sitio para se estar”
Acha importante que um jovem músico estude nos grandes centros europeus, para que “possa projetar-se ao mais alto nível”. Em Portugal, “é feita música ao mais alto nível, mas não tem projeção”. Diz que “há projetos incríveis que caem por terra porque não têm apoios nem adesão”.
“Música ao mais alto nível pode ser feita em qualquer lado, desde que haja seriedade no trabalho que se realiza. Temos a oportunidade de ter em Portugal músicos de enorme qualidade, que por muito estranho que pareça, alguns são até mais valorizados no estrangeiro do que no seu próprio país. Esta desvalorização da música e dos músicos em Portugal é o que nos leva muitas vezes a pensar que no estrangeiro é o melhor sitio para se estar”, explica.
“Não nos podemos deixar ficar pelo que já temos, devemos sempre ir à procura de mais e melhor”
Assume-se como parte de uma geração de músicos marcados pela ambição: “Esta geração não é comodista e tem a ambição de se afirmar, quer a nível nacional, quer mesmo no estrangeiro e penso que esse é o caminho certo. Não nos podemos deixar ficar pelo que já temos, devemos sempre ir à procura de mais e melhor e, felizmente, vejo muitos músicos e colegas com esta determinação que é também contagiante”.
“Se queremos ter bons músicos no futuro, temos de investir no futuro. Temos de criar condições para que os músicos e a música cresçam em Portugal”, adverte.
Defende “a grande qualidade de professores” que temos a nível nacional: “Em todo o país tem havido uma melhoria no ensino da música, mesmo com as dificuldades financeiras que todos sabemos que existem, mas que não impedem os professores de fazer sempre um trabalho digno”.