Antão e quê...?

Haverá vida para além da música?

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Gabriel e Ricardo Antão

Haverá vida para além da música?

 

Quantos de nós já nos encontrámos, quase sem saber como, em situações onde os ensaios, concertos e sessões de estudo ocupam a totalidade dos nossos dias, sem ter tempo para respirar e refletir? Se atendermos a que os concertos decorrem (regra geral) no horário pós-laboral, e se a isto juntarmos estudo e ensaios que tanto podem ter lugar nesse período como em horário laboral, então a nossa situação é desde logo delicada. E isto sem entrarmos na possível carreira letiva em paralelo. Mas foquemo-nos então nessa procura pelo equilíbrio, e porque é que será tão importante.

 

O músico e investigador Tiago Carvalho, no seu projeto Through the Process, coloca a questão “Quem sou eu sem o meu instrumento?”. É vital conseguirmos encontrar uma resposta, não só em situações que nos vemos impossibilitados de prosseguir a carreira, como para refletirmos no caminho que estamos a tomar. E especialmente para o fazermos de forma plena.

 

“Um médico que só sabe de medicina, nem de medicina sabe”. Esta frase é do multifacetado Abel Salazar, que foi um célebre médico, professor, investigador e pintor. E pode ser tão bem transposta para o universo musical! Afinal, a música requer muito mais que o simples estudo do instrumento. Devemos estudar o necessário, e nunca menos que isso; mas devemos procurar ser eficazes, e tirar o máximo partido do nosso tempo para obter os melhores resultados (falámos disto na nossa crónica anterior). Um grande violinista, Leopold Auer, respondeu da seguinte forma quando questionado sobre o tempo ideal de estudo: “Estuda com os teus dedos, e precisas do dia todo; estuda com inteligência e conseguirás o mesmo em hora e meia” ¹.

 

Além dos óbvios benefícios, isto também nos permite ter tempo para, entre outros, consumir arte, algo que todos os grandes artistas faziam e fazem. Temos de nos inspirar para poder inspirar e comunicar com os outros. A arte serve, entre outras coisas, para partilhar vivências e experiências, para encontrar ou criar pontos em comum com o outro. Se apenas passamos tempo agarrados ao instrumento, o que esperamos ter para dizer?

 

A nossa prática musical pode melhorar muito com conhecimento de outras áreas. Do desporto podemos aprender bastante sobre condição física, sobre eficácia na preparação física e mental e sobre o funcionamento do corpo. Da área da gestão e da economia podemos aprender sobre como otimizar o nosso tempo, como gerir projetos, como gerir relações interpessoais (essencial em projetos de maior envergadura), como manter as nossas finanças em ordem. Da psicologia podemos entender como lidar com situações de stress e de pressão, entre outras possibilidades. Podíamos oferecer uma lista quase infindável, e isto sem sequer ter entrado pelos benefícios de explorar outras artes.

 

Há um enorme mundo de conhecimento à espera de ser aproveitado, só temos de partir à descoberta. Quem sabe, talvez encontremos uma atividade que nos complete, e que nos ajude a ter uma atitude renovada quando voltamos à parte musical da nossa vida? Nem falamos nas óbvias oportunidades financeiras que podem surgir: podemos cingir-nos à lufada de ar fresco que estas atividades podem significar, e que nos permitem encarar a música com aquele entusiasmo de quando ela era sempre uma descoberta e não algo monótono e repetitivo. Afinal, a saturação é um risco real, que surge de forma insidiosa na nossa vida. E tanto maior é o risco quanto a nossa “dependência” ou exclusividade à música.

 

Por isso, é importante reformular a célebre questão existencial: haverá vida para além da música?

 

 


¹ Tradução nossa. Podem ver a frase original, e outras ideias interessantes, aqui: https://bulletproofmusician.com/how-many-hours-a-day-should-you-practice/

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