Música e Poesia

beOMNI Expression – CD Oração à Luz

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Joana Moreira e Miguel Maduro-Dias

A metamorfose já aconteceu: passámos da Palavra à Música. Mas, entretanto, será a vez da Música se transformar num espectáculo interdisciplinar.

 

 

Em Outubro de 2023, numa Sexta-feira 13 chuvosa, e contrariando por completo todo misticismo e superstição que habitualmente envolvem estes dias, materializou-se a estreia da nossa plataforma beOMNI Expression, no espectáculo multidisciplinar “No Verbo e na Luz: de Junqueiro para Junqueiro”, organizado pelo Professor Henrique Manuel Pereira, no Auditório Ilídio Pinho da Universidade Católica Portuguesa.


Curiosamente, em palco, tivemos em mãos a honra e a responsabilidade de estrear uma das canções, para voz e piano, compostas por Alfredo Teixeira, a partir do poema-livro “Oração à Luz” de Guerra Junqueiro. Escrita por encomenda do Município do Porto, aquando da evocação do centenário do seu falecimento. Canção essa que, mais tarde, veio a integrar o ciclo de 10 canções para voz e piano, obra base deste nosso projecto.

 

Na altura, achámos (e continuamos a achar!) que este poema-livro de Guerra Junqueiro é, sem sombra de dúvidas, possuidor de uma beleza imensurável, e que a pertinência da sua mensagem é merecedora de leitura, releitura e reflexão. E não! Não somos os únicos a pensar desta forma: Fernando Pessoa, por exemplo, apresentou este poema de Junqueiro como o paradigma inaugural da “nova poesia portuguesa”. Uma, entre tantas outras vozes, que elogiaram largamente a Obra deste Homem.

 

Assim, e após conversações com o compositor Alfredo Teixeira, fez-nos sentido, e pareceu-nos óbvio(!) que o trabalho de composição do ciclo “Oração à Luz” deveria ser concluído (na sua extensão completa do poema, com 10 canções para voz e piano), e que, posteriormente, um dos projectos da nossa plataforma beOMNI Expression, se corporalizaria no nosso primeiro trabalho discográfico. Sendo fiéis a um dos motes fundamentais da nossa plataforma, “ser plural, como o Universo” (citando Fernando Pessoa), neste projecto não assumimos apenas a interpretação musical. Fomos mais longe, ficando também a nosso cargo os trabalhos de captação, edição e masterização de som, bem como o design gráfico. 

 

Esta obra musical alia o tradicional ao inovador, no que respeita às técnicas composicionais e interpretativas. Um exemplo disto é o uso de uma citação de Canto Gregoriano “Veni creator spiritus”, que coexiste, na mesma canção, com secções em que o piano apresenta blocos de notas sem ritmo definido, e sobre o qual o pianista tem autonomia para pintar o texto recitado pela voz, de forma livre.

 

Na voz, há que destacar a versatilidade exigida ao intérprete pelo compositor, deduzível através da hipótese do texto falado e do texto cantado serem executados por pessoas distintas. Além da invocação, no canto, da prática salmódica usada numa das canções, no que toca à recitação do poema, realçamos secções em que: o texto aparece com um ritmo definido, com a indicação “como a voz de um rapper”; o texto é proferido para dentro do piano, com o pedal de sustentação pressionado. Cada uma destas apresenta-se com uma identidade muito própria, havendo assim uma premente flexibilidade e adaptação interpretativa do executante.

 

No piano, como já mencionado anteriormente, para além de várias secções em que o pianista tem efectivamente muito a dizer, advindo da liberdade interpretativa dada pelo compositor, esta obra é também instigante, por exemplo, pelo uso que faz do pedal de sustentação – que é constantemente utilizado para criar ambientes e sonoridades etéreas; pelas técnicas inovadoras de interpretação directamente nas cordas do piano: desde pizzicatos, a glissandos, ou a percutir a palma da mão aleatoriamente, tendo apenas indicação aproximada do bloco de alturas a usar; e também pelo uso da voz do pianista, para recitar alguns versos do poema.

 

Tentando resumir este projecto, podemos afirmar que o nosso objectivo foi (e é!) o de disseminar a palavra-mestre de Junqueiro, que difunde a Luz como fonte primária de vida; como génese; como criação! Afirmamos também que o seu lirismo filosófico, que traça um nítido e puro diálogo entre a Ciência e a Religião, o Mundano e o Espiritual, foi brilhantemente musicado pelo compositor Alfredo Teixeira, quase como numa pintura: cada canção com o seu universo próprio, com a sua identidade muito bem definida. E, também, por vezes, cada uma delas com uma constante metamorfose de microclima para microclima.

 

Uma viagem esplêndida e inquieta, que vai ao encontro e faz jus às palavras do próprio Junqueiro: “O homem é um Universo reduzido. Que cada um pudesse deixar-se narrar – e teríamos a mais maravilhosa história do Mundo!”.

 

Quanto ao nosso trabalho, partilhamos a mais pura e simples realidade: pusemos a nossa alma em todas as dimensões do mesmo. Foi uma longa jornada, vários meses de trabalho no qual tivemos a oportunidade de testar as nossas competências técnicas, artísticas e criativas. Um grande empreendimento! Holístico, desafiante, e que, indiscutivelmente, nos obrigou (no bom sentido!) a crescer bastante!

 

Estamos gratos por todo este caminho, e por termos connosco tão distintas e inspiradoras personalidades: Professor Henrique Manuel Pereira – que foi mentor e impulsionador aquando da génese deste nosso projecto, e que é o autor do Prefácio do CD; e Alfredo Teixeira – compositor da obra musical deste trabalho, e que esteve sempre disponível para nos acompanhar e aconselhar ao longo de todo o processo. Um amplo e sincero obrigado a ambos!

 

Agora, terminadas as fases de estudo, gravação e edição, estamos ansiosos e expectantes para lançar (finalmente) este nosso primeiro trabalho discográfico. Dizemos, porém, que podem continuar a partilhar do nosso entusiasmo, e esperar novidades muito em breve! Sim, não ficamos por aqui! A metamorfose já aconteceu: passámos da Palavra à Música. Mas, entretanto, será a vez da Música se transformar num espectáculo interdisciplinar. Como sempre, na nossa plataforma, podem esperar luz, movimento, encenação, vídeo e sonoplastia, todos aliados numa narrativa que trespasse o limite do artístico, e que se funda na vida do dia-a-dia, do Homem, do Real.

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