Estreia da Paixão Segundo S. João de Osvaldo Fernandes

“Uma Sé Catedral completamente cheia, numa noite invulgar e memorável em Braga”

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Sandra Bastos

  • Estreia da Paixão Segundo S. João de Osvaldo Fernandes
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A segunda apresentação é já no próximo domingo, dia 13 de Abril, pelas 16h na Igreja Matriz de Boelhe, Penafiel, um concerto integrado no projecto “A rota do Românico”. A estreia aconteceu no dia 28 de Março, integrada no concerto de abertura da Semana Santa de Braga na Sé Catedral, lotada com um público atento e entusiasta. No centro das atenções estava o Coro de Pequenos Cantores de Esposende (CPCE), os Portuguese Brass (decateto de metais), o organista Diogo Zão, o percussionista André Silva e os solistas Carlos Meiréles (Evangelista) e Ricardo Torres (Jesus), dirigidos pelo maestro José Eduardo Gomes.

 

A Paixão Segundo S. João de Osvaldo Fernandes foi escrita para coro infantil a 3 vozes, dois solistas (Evangelista e Jesus), órgão, decateto de metais e percussão. É dedicada ao CPCE e aos Portuguese Brass Associação de Metais.

 

 

“Uma Sé Catedral completamente cheia, numa noite invulgar e memorável em Braga”

 

Na opinião do compositor Paulo Bastos, um dos espectadores mais atentos, “ouviu-se a estreia de uma obra ambiciosa”, que “evidenciou uma excelente gestão do tempo, da narrativa e da tensão por parte de um compositor que, sem qualquer constrangimento estético, manifestou de forma clara a coerência e extrema qualidade da sua linguagem musical. A forma como geriu cada momento, da abertura aos recitativos, até aos momentos mais empolgantes foi de grande subtileza e profundidade, tendo-se sentido um ambiente verdadeiramente misterioso, de silêncio e enorme atenção por parte do público”.

 

O também professor de Composição destaca que “esta magnifica obra não teria o mesmo impacto sem a grande qualidade de prestação, mesmo invulgar em estreias de obras, do Coro dos Pequenos Cantores de Esposende, do Decateto Portuguese Brass e dos solistas. A música de Osvaldo Fernandes falou por si mesma numa Sé Catedral completamente cheia, numa noite invulgar e memorável em Braga”.

 

 

“Obra exigente e complexa, sem dúvida, mas com um efeito soberbo”

 

Helena Venda Lima, maestrina do CPCE, estava orgulhosa do trabalho apesentado: “Foi um momento muito especial, como são as estreias, principalmente pela profundidade da obra e por ser a única "Paixão" escrita em português composta para estas formações”.

José Eduardo Gomes, maestro, diz que foi “um concerto muito bom, desde já pela sua originalidade, no que toca à combinação dos instrumentos, grupo metais, coro, órgão, percussão, solistas. Depois pelo repertório, com o destaque para as duas estreias do compositor Osvaldo Fernandes. Primeiro Spirit Overture, dedicada aos Portuguese Brass, uma obra muito interessante, bem escrita para os metais, e com um carácter de abertura! Depois, sem dúvida, o ponto alto do concerto, a Paixão segundo São João”.

 

“Obra com um forte carácter dramático, onde o compositor combina muito bem os instrumentos e as vozes, tendo cada um deles um papel muito importante na narrativa! Obra exigente e complexa, sem dúvida, mas com um efeito soberbo”, sublinha.

 

 

“a sonoridade dos metais foi muito bem explorada pelo Osvaldo”

 

Zeferino Pinto, fundador da Associação de Metais Portuguese Brass, realça que “a sonoridade dos metais foi muito bem explorada pelo Osvaldo. As passagens mais rítmicas e com mais volume sonoro, estão sem dúvida associadas a momentos de maior tensão e acção da Paixão. Uma obra de execução simples para os metais, e com um efeito extraordinário”.

 

Confessa que foi “com enorme prazer “ que os Portuguese Brass executaram em primeira audição a Paixão, sobretudo ver a reacção do público no final do concerto: “Algo mexeu com eles. Ouvimos comentários de apoio, parabéns pelo projecto, e quando seria o próximo concerto”.

 

 

“é absolutamente caótico construir uma obra de raiz de 30 minutos com um mês de prazo”

 

Para Osvaldo Fernandes a Paixão Segundo S. João foi “um enorme desafio a vários níveis”: “Esperavam uma obra com duração de cerca de 30/35 minutos, o prazo de entrega era dia 6 de Fevereiro de 2014, para ser iniciado o processo de preparação no fim-de-semana imediatamente seguinte. Na segunda semana de Janeiro recebo a confirmação de que a Paixão é segundo S. João e não segundo S. Mateus ou S. Lucas. Tinha então cerca de um mês para construir uma das maiores obras que fiz em toda a minha vida. Devo dizer que não foi fácil: muitas noites sem dormir, ouvia muita música, dava aulas durante o dia, bastantes refeições mal feitas, falta de apetite, enfim… Consegui terminar 33 minutos de música no dia 5 de Fevereiro, um dia antes do “deadline”, e suspirei de alívio. Deu-me bastante prazer construir esta obra mas é absolutamente caótico construir uma obra de raiz de 30 minutos com um mês de prazo”.

 

A escolha da Paixão partiu de Helena Venda Lima, directora do CPCE. O projecto idealizado para a Semana Santa de Braga, no final de 2013, um Stabat Mater (obra mais curta) ou então uma Paixão, “mais aliciante, por ter um texto enorme”. A decisão final foi influenciada pela grande obra de Bach (que também tem uma Paixão Segundo S. João). “Eu sempre preferi a Paixão porque a narrativa tem uma forte componente teatral associada, elemento esse que aprecio explorar na minha música”, diz o jovem compositor.

 

O próximo passo para a Paixão será “pegar em determinados momentos musicais e transformar em pequenas outras obras que poderão ser interpretadas fora do ambiente quaresmal”.

 

 

“A obra foi estruturada de forma a projetar na sonoridade das vozes brancas a capacidade de reflectir sobre os acontecimentos”

 

Helena Venda Lima diz que, ao contrário do que se possa pensar, “a preparação do CPCE não foi complexa pois acontece no decorrer de um percurso planeado e não de forma fortuita. Quer ao nível musical, quer ao nível do carácter e profundidade do texto, o CPCE tem vindo a crescer naturalmente e encontrava-se agora preparado para este trabalho. É sempre um desafio trabalhar com outras formações e outros maestros, e que obriga os coralistas a crescer e desenvolver outras ferramentas, sendo esta fase a mais complexa mas também a mais aliciante para os coralistas”.

 

As maiores dificuldades da preparação estão no texto, não apenas no seu domínio técnico mas principalmente ao nível da mensagem: “O coro interpreta papéis diferentes durante a obra, sendo narrador, povo e comentador da própria obra. Em cada um destes papéis é necessário interpretar de forma distinta. A obra foi estruturada de forma a projectar na sonoridade das vozes brancas a capacidade de reflectir sobre os acontecimentos, de lhes dar uma perspectiva histórica e meditativa”.

 

 

“O "Stabat Mater" eleva-nos para uma postura de reflexão preparando-nos para o final”

 

A maestrina destaca os momentos em que o coro alcança “um lado mais espiritual” que se reflecte em diversas intervenções como o "Christus factos est", "Jesu tibi Vivo", "Kyrie Eleison", entre outros, particularmente o momento do "Stabat Mater": “ eleva-nos para uma postura de reflexão preparando-nos para o final”.

 

O momento final onde evangelista e coro se juntam em uníssono para a última secção “envolve o público num misto de emoções, por um lado a carga dramática da morte física de Jesus Cristo, sentida claramente em cada palavra proclamada, e por outro lado a esperança quer pela interpretação de partes do credo quer pelos recursos musicais utilizados pelo compositor”. 

 

José Eduardo Gomes elogia o CPCE: “é um soberbo coro infantil, onde as vozes estão muito bem trabalhadas, com uma excelente afinação. Estiveram sem dúvida à altura deste exigente desafio que foi a estreia da Paixão. Toda a minha vénia à sua maestrina Helena Venda e a toda a estrutura. Uma honra ter colaborado pela primeira vez com eles”.

 

 

“um olhar mais positivo, de salvação e redenção, ao invés de uma visão mais dramática”

 

Osvaldo Fernandes concluiu recentemente o mestrado em Ensino de Música na Universidade de Aveiro, redigindo a sua tese sobre o CPCE, ao qual tem dedicado várias obras:

 

Não admira, portanto, que tenha dedicado a Paixão ao CPCE: “um coro infantil, na execução de uma obra de tamanha carga emotiva, funciona claramente como um elemento de “salvação”, pela pureza sonora das suas vozes. Não obstante, importa referir que o meu olhar sobre este texto incidiu precisamente neste ponto: um olhar mais positivo, de salvação e redenção, ao invés de uma visão mais dramática. Já para não falar que acompanho estes coralistas desde a sua fundação até aos dias de hoje, aliás, há uma parte significativa que são meus alunos na Escola de Música de Esposende”.

 

Com os Portuguese Brass, a quem também dedica a Paixão, tem uma ligação bastante próxima, uma vez que estudou Trombone no Conservatório Calouste Gulbenkian de Braga, aonde estão ligados quase todos os elementos do grupo, e se integrou inclusive como membro da Associação de Metais.

 

“Escrevi já bastantes obras para metais (seja a solo ou em formação de câmara) e, por isso, atrevo-me a dizer que possuo alguma experiência na escrita para este tipo de instrumentos. No que diz respeito às obras para esta formação, o conteúdo começa a ser bastante eclético: fiz uma obra original - cujo título é “Portuguese Brass” -, realizei uma orquestração do “Pássaro de Fogo” de Stravinsky e de uma obra minha “Salmo 28”, e fiz também alguns arranjos mais ligeiros de temas tradicionais brasileiros”, explica.

 

 

“grande parte dos compositores gosta de escrever para orquestra”

 

O jovem compositor (tem apenas 28 anos) confessa que “grande parte dos compositores gosta de escrever para orquestra (seja sinfónica ou filarmónica) porque as possibilidades sonoras são quase infinitas”. Assim, gostava de “ter mais oportunidades de escrever para este tipo de formação”.

 

Falta-lhe ainda escrever para orquestra de cordas: “já pensei várias vezes no assunto, mas  nunca surgiu a oportunidade de execução”. Paralelamente, tem-se interessado pela aplicação da música electrónica a formações de câmara ou até mesmo a solistas.

 

No que diz respeito à música, antes de criar algumas expectativas, é importante perceber que o panorama musical agora não se cinge a uma localização geográfica específica. Se no séc. XVIII ou XIX conseguíamos claramente distinguir música Alemã da Italiana por exemplo, hoje em dia isso já não acontece de uma forma tão linear. Ouço obras de compositores Ingleses com uma linguagem musical semelhante a brasileiros, música oriental ser explorada por americanos, africana por europeus, etc etc. É difícil traçar um panorama nacional se mesmo nós, compositores de cá, somos bombardeados pela multiculturalidade.

 

 

“ouço erros que desvirtuam a peça, demonstram fragilidade e expõem os intérpretes a um trabalho francamente negativo”

 

Osvaldo assume-se como “sedento de nova música e novas sonoridades”, com “uma vontade inabalável de continuar a crescer como ouvinte”.

No que diz respeito às oportunidades, em Portugal, continuam a ser escassas: “Não há grandes apoios, as encomendas nem sempre são retribuídas com cachê e os concursos nacionais de composição atribuem prémios cada vez menores”.

 

Vê, contudo, aspectos positivos na pedagogia: “Os compositores assumem cada vez mais um papel central na elaboração de obras e arranjos para formações específicas de cada escola. Sinto essa importância no meu estabelecimento de ensino e certamente que o mesmo se passará em diversos locais”.

 

A razão está no facto de existirem muitas obras da História da Música que não podem ser tocadas porque a formação instrumental original não existe na escola, mas “há um terrível problema no meio disto tudo”: “nós (portugueses) temos a tendência em assumir que percebemos um pouco de tudo e vejo alguns colegas a fazer esse tipo de trabalho. Aplaudo de pé arranjos, orquestrações e composições de músicos sem formação composicional quando eles são bem-feitos mas, na maioria dos casos, ouço erros que desvirtuam a peça, demonstram fragilidade e expõem os intérpretes a um trabalho francamente negativo”.

 

Está, também, muito atento ao trabalho dos colegas: “assisto com frequência a uma auto-promoção de alguns compositores portugueses, comparando-se uns com os outros no que diz respeito ao estilo, estética, técnica e afins sempre num intuito vanguardista. O que acontece, a meu ver, é que o leque de ouvintes começa a ficar cada vez mais reduzido, afastando assim intérpretes, melómanos, e ouvintes em geral pela impercepção da mensagem intelectual/artística intrínseca na obra”.

 

Considera-se, assim, um compositor mais conservador: “Eu próprio ouço obras que são feitas hoje em dia e não consigo extrair um objetivo final. Prefiro dar primazia ao entendimento auditivo de todo o tipo de ouvintes, sabendo porém que escrevo aquilo que mais gosto”.

 

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