João Diogo Leitão, vencedor PJM Guitarra

“Só precisamos que nos deem uma oportunidade”

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Sandra Bastos

  • João Diogo Leitão
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Tinha sido já distinguido com uma Menção Honrosa na última edição do PJM dedicada à Guitarra, em 2009. Desta vez, João Diogo Leitão arrecadou o 1º Prémio, nível superior. “O facto de ser um dos concursos, ou mesmo o concurso mais importante em Portugal, quer em termos de prémios, quer em termos de prestígio e visibilidade, foi o que mais me motivou a participar”, diz.

 

 

Aluno de Zoran Dukic no Real Conservatório de Haia

Uma participação que o jovem guitarrista de 24 anos já sabia ser exigente: “A final foi a mais complicada, pois preparei a obra imposta sozinho e só tive oportunidade de trabalhar algumas digitações do concerto com o meu professor”. O professor de que fala é Zoran Dukic, com quem concluiu este ano o mestrado, no Real Conservatório de Haia (Holanda).

Não obstante ter abdicado das férias para poder estudar para a prova final, o esforço foi compensado com o prémio e com momentos únicos: “o momento mais intenso terá sido durante a prova eliminatória na Casa da Música, particularmente na obra que toquei de Benjamin Britten. A espera e o anúncio dos resultados finais também foram bem emocionantes!”.

 

 

“há espaço para uma componente pedagógica, de saber a opinião do júri em relação à nossa performance”

 

“O PJM é um concurso. De música… Isto basta para se perceber o quão limitativo, subjectivo e contra producente o Prémio é. Tal como qualquer outro concurso, em qualquer parte do mundo”, sublinha.

Reconhece que “o PJM é muito bem organizado. O programa e as provas são bem estruturadas e há espaço para uma componente pedagógica, que é essencial, havendo a possibilidade de saber a opinião do júri em relação à nossa performance”.

Destaca também o “óptimo ambiente entre os concorrentes” e a oportunidade de “poder tocar em dois sítios tão confortáveis para se fazer música” como a Casa da Música e o auditório da ESML. “Razões que chegam e sobram para eu aconselhar todos os jovens músicos a tentarem a sua sorte neste concurso!”, acrescenta.

 

 

“não são três ou quatro concertos num ano que definem uma carreira”

 

Está, assim, consciente de que o PJM não vai mudar a sua carreira pois não sente que tenha ainda uma carreira: “Espero, isso sim, que me ajude a começar uma carreira, pelo menos, em Portugal”. Para isso, conta com os concertos que o PJM oferece: “é um reconhecimento importantíssimo do nosso trabalho, mas não são três ou quatro concertos num ano que definem uma carreira. É preciso que haja uma continuidade. O que espero é conseguir agarrar as próximas oportunidades”.

Oportunidades semelhantes ao recital final em Haia: “Apesar de não estar tão bem preparado como queria para o recital, aconteceu qualquer coisa de especial. O estar a tocar alguma da minha música preferida para guitarra, o ver tantos amigos ali sentados para me ouvirem (às 11h da manhã! Aqueles holandeses não valorizam muito o sono…) e a consciência de aquele momento ser um culminar e um final de um ciclo fizeram com que uma energia especial se instalasse naquela sala”.

 

 

“Tudo o que vier a partir de agora será um bónus fantástico”

 

Segue-se o Concerto de Laureados com a Orquestra Gulbenkian: “Vai ser a minha estreia como solista com uma orquestra, por isso estou entusiasmadíssimo com a ideia”. Quer “conseguir fazer muita música naqueles curtos minutos e ficar com uma bela recordação. E fazer com que todas as pessoas presentes levem também com elas esse sentimento de encanto”.

O Prémio Maestro Silva Pereira não lhe causa qualquer ansiedade: “O meu objetivo já foi conquistado. Tudo o que vier a partir de agora será um bónus fantástico. Claro que gostaria de ganhar, mas só estou mesmo preocupado em disfrutar os próximos momentos”.

A ansiedade surge quando imagina “a orquestra à espera que afine a guitarra, o ensaio, o nervoso miudinho (que de miudinho não vai ter nada!), o pisar o palco da Gulbenkian, o concerto, as palmas e depois as imperiais no Bairro ou na Mouraria”.

 

 

Estudou com Ivanovic em Évora

 

João Diogo tinha o sonho de ser violoncelista e tocar na Filarmónica de Berlim. Queria também ser futebolista, mas tinha dois pés esquerdos. Depois queria ser economista. “Entretanto, ganhei juízo. Ou perdi-o completamente, porque decidi ser músico (pior ainda, quis ser guitarrista!...)”, confessa.

Iniciou os seus estudos musicais aos 10 anos de idade na Academia de Música de Gondomar (de onde é natural) na classe de guitarra da professora Cristina Bacelar. Em 2005, entra no Curso de Música Silva Monteiro e dedica-se ao estudo do repertório erudito com o professor Hugo Sanches. “Não sei quando é que decidi ser músico. Comecei a tocar aos 10 anos, mas já estava apaixonado pela guitarra antes disso. Queria ser como o Paco de Lucia (era mesmo inconsciente). Depois, comecei a descobrir os grandes mestres compositores, principalmente Bach...”, conta.

Oficialmente, decidiu ser músico quando foi para a Universidade de Évora estudar com Dejan Ivanovic.

 

 

“Gostava que um recital meu fosse uma experiência espiritual que realmente mudasse as pessoas”

 

Sonha em “tocar a solo e com orquestra nas grandes salas como Concertgebouw, Carnegie Hall, etc. e poder trabalhar com os grandes maestros, as grandes orquestras”.

E acredita que pode “contribuir para o aumento da credibilidade e prestígio da guitarra dentro da música erudita. Viajar pelo mundo inteiro, tocar em locais fantásticos, em importantes festivais de música, não só dentro da música erudita, mas também dentro de outros estilos e abordagens musicais. Eventualmente, fazer gravações que trouxessem algo de novo”.

“Gostava de chegar a um patamar em que um recital meu fosse não um momento musical agradável, mas uma experiência espiritual que realmente mudasse as pessoas. A música, felizmente, tem essa capacidade”, sublinha.

 

 

“Ainda há muito mundo para explorar e conhecer”

 

Para já, “está tudo por definir”. Está de volta a Portugal, onde vai dar aulas no Curso de Música Silva Monteiro, no Porto. Está a planear fazer alguns concursos e tem alguns projetos de música de câmara pendentes na Holanda que quer concretizar, apesar da distância.

Quer experimentar outras coisas fora da música erudita e aproveitar o facto de estar em Portugal para preparar alguma música portuguesa. “Gostava de poder colaborar com compositores, mas também de explorar o repertório que já existe e que tem vindo a crescer nos últimos anos. Tenho também algum repertório que gostava de gravar, música do séc. XX/XXI, especialmente. E fazer concertos, obviamente”, afirma.

A médio ou longo prazo pensa sair novamente de Portugal: “Ainda há muito mundo para explorar e conhecer, e um ou outro sítio (ou muitos!) onde eu gostava de viver e estudar. Há, pelo menos, um professor com quem eu tenho a certeza que iria aprender imenso e há também a vontade de viver uns tempos num grande centro cultural como Berlim, Londres ou Paris”.

 

“vamos perdendo músicos talentosos que se vão transformando em professores frustrados”

 

Diz que ter uma carreira em Portugal, num instrumento como a Guitarra, “se limita a aparecer em festivais de Guitarra, frequentados maioritariamente por guitarristas, que está praticamente excluído das programações das grandes salas de concerto em Portugal e dos poucos festivais/ciclos de concertos de música clássica que existem, e é uma tarefa quase impossível”.

“Tendo em conta que as duas grandes, quase únicas, opções de carreira para um guitarrista são a carreira solista ou o ensino, face à inexistência de um mercado, vamos perdendo músicos talentosos que se vão transformando em professores, em alguns casos, frustrados”, revela.

 

 

“Pelas oportunidades que surgem nos grandes conservatórios europeus e que não surgem em Portugal”

 

A solução seria, como é para muitos, emigrar? “Para fazer música ao mais alto nível, tendo a dizer que sim. Pelas oportunidades que surgem nos grandes conservatórios europeus e que não surgem em Portugal”.

E aponta exemplos que viu em Haia: “a 10ª Sinfonia de Mahler, num dos projectos de orquestra do conservatório, feita só pelos alunos e dirigida pela fantástica maestrina Susanna Mälkki. No curso de música antiga os alunos tocaram lado a lado com os membros da “Orquestra do séc. XVIII” e foram dirigidos pelo Frans Brüggen… Pergunto-me quantos estudantes de música em Portugal tiveram o privilégio de trabalhar a este nível durante a sua formação académica…”.

 

 

“Nós somos tão, ou mais talentosos, que qualquer outro músico estrangeiro”

 

Prevê “um futuro promissor (e um presente que o confirma!) face à quantidade de jovens talentosos e trabalhadores” que existem em Portugal: “Está na hora de deixarmos o nosso preconceito e complexo milenar de que “ lá fora é que é bom” ou “o que vem de fora é que bom”. Mentira. Nós somos tão, ou mais talentosos, que qualquer outro músico estrangeiro”.

A sua experiência na Holanda confirma os melhores augúrios: “Eles adoram-nos! Porque somos mesmo bons e dedicados! Em qualquer instrumento. Provas não faltam, com jovens premiados em concursos, jovens a ganharem lugares nas orquestras de topo, etc., por esse mundo fora”.

 

 

“talentos raramente reconhecidos cá e que não têm oportunidades para mostrarem esse trabalho”

 

Porém, esse mundo fora não é, como o próprio nome indica, Portugal: “Porque esses mesmos talentos raramente são reconhecidos cá e não têm oportunidades para mostrarem esse trabalho e de crescerem profissionalmente. Por isso, ficam “lá por fora” onde, realmente, têm futuro”.

Um problema transversal a toda a sociedade portuguesa: “Desenvolvemos e investimos no nosso potencial humano até um ponto e depois deixamos que sejam entidades estrangeiras (orquestras, empresas, centros de investigação, serviços de saúde, …) a usufruírem das mais-valias que essas pessoas têm para dar”.

“Não gosto de nacionalismos, nem de patriotismos (nem dos “ismos” em geral), mas fico sempre contente quando ouço que mais um talento português andou a espalhar magia por esse mundo fora! Só precisamos de criar condições para eles fazerem o mesmo no nosso cantinho”, explica.

 

 

“Só precisamos que nos deem uma oportunidade”

 

O cantinho que, culturalmente, “continua a viver em torno de Porto e Lisboa, apesar de haver ótimas iniciativas que tentam a descentralização”. E que continua a ter “apenas um local vocacionado e com programação regular de ópera, localizado em Lisboa, obviamente… E mesmo esse espaço trabalha em condições cada vez mais limitadas”.

“Tenho-me apercebido de alguma actividade no sentido da valorização e divulgação dos compositores e intérpretes portugueses e de alguns projectos que me parecem extremamente importantes como a OCP ou a Orquestra XXI”, realça.

Apela, mais uma vez, às oportunidades: “É essencial que os programadores das grandes salas, dos festivais, dos ciclos de concerto, das pequenas salas, das orquestras, etc. se apercebam do grande crescimento que a Guitarra tem tido em Portugal nos últimos anos e no muito talento que existe. Só precisamos que nos deem uma oportunidade, não só nós guitarristas, mas todos os jovens músicos portugueses que podem trazer ideias novas e um novo dinamismo que tanto é necessário”.

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