Bruno Borralhinho
Coluna mensal sobre o mundo da tal música que é clássica para uns e erudita para outros. Assuntos de abundante subjetividade e, por vezes, pouco isentos de polémica. Daqueles sobre os quais todos os músicos conversam e discutem, mas nunca chegam a conclusões cabais. Daqueles que permitem saciar a curiosidade do público entusiasta e, já agora, construir pontes e viadutos comunicacionais entre o palco e a plateia. E para que ninguém ouse levar os temas pouco a sério, as variações serão comentadas e discutidas em exclusivo com alguns dos melhores músicos do planeta.
O concertino: em busca de uma liderança equilibrada
Convidado Especial: Daniel Stabrawa
Daniel Stabrawa foi premiado no Concurso Paganini de Génova e assumiu o lugar de concertino na Orquestra Sinfónica da Rádio da Polónia, em Cracóvia, com apenas 22 anos. Em 1983 foi escolhido para o naipe de primeiros violinos da Filarmónica de Berlim e, três anos mais tarde, passou a desempenhar o lugar de concertino principal, cargo que desempenharia durante 35 anos. Foi membro fundador e primarius do Philharmonia Quartett Berlin, com o qual realizou uma destacada carreira internacional.
O concertino de uma orquestra moderna é aquele que a guia com a devida energia e linguagem corporal, sejam gestos mais ou menos incisivos ou mesmo apenas um olhar esclarecedor, e aquele que funciona como vínculo entre o maestro e os restantes instrumentistas durante os ensaios e os concertos. É também aquele que executa os solos de primeiro violino, chamando a si o protagonismo em algumas das obras mais fulcrais da História da Música, não tendo sido com certeza por mera casualidade que por exemplo Richard Strauss escolheu o concertino para personagem principal do seu célebre poema sinfónico Ein Heldenleben.
Em orquestras de maior dimensão, podem ser dois, três ou mesmos quatro músicos a desempenhar alternadamente a função de concertino, enquanto que em orquestras de câmara o concertino é por vezes mais do que um primeiro violinista, assumido a direção musical por completo. Isto é, à moda antiga, tendo em conta que até ao princípio do século XIX era prática geral que o concertino acumulasse também a função e os deveres de Kapellmeister e inclusivamente de compositor. De qualquer forma, o concertino é e sempre foi uma referência máxima na hierarquia de uma orquestra, funcionando como um representante da própria instituição, até mesmo em contextos alheios ao palco. Um extraordinário exemplo de uma instituição dentro da própria instituição é com certeza o violinista polaco Daniel Stabrawa. Recentemente aposentado, foi membro da Filarmónica de Berlim durante 38 anos, 35 dos quais como seu primeiro concertino, tendo sido escolhido para o cargo durante a mítica era de Herbert von Karajan e liderado a orquestra nos reinados de Claudio Abbado e Simon Rattle, até ao presente sob a direção de Kirill Petrenko.
Stabrawa sublinha que o conceito da estrutura hierárquica das orquestras mudou substancialmente nas últimas décadas, sendo agora um sistema «menos rígido» no qual «a orquestra tem mais direitos e o autoritarismo do maestro foi diminuindo». Isto significa de um modo geral um aumento do «poder de iniciativa e da responsabilidade do concertino», mas sobretudo na Europa, porque nos Estados Unidos prevalece ainda um certo «estatuto autoritário do maestro, ao qual o concertino obviamente se deve subordinar».
Por ser decerto o lugar mais exposto da orquestra a todos os níveis, por vezes não é fácil gerir o equilíbrio entre a exigência artística e o relacionamento humano. Sobre possíveis experiências marcantes a este respeito e em relação a maestros, Stabrawa destaca que «com os melhores maestros os conflitos não acontecem porque um bom maestro não tem dúvidas nem problemas». Ao invés, «com maestros que duvidam de si próprios durante o ensaio, o concertino tem que assumir uma posição forte para salvar o concerto». Sem mencionar nomes, Stabrawa narra um exemplo em que isso aconteceu: «um maestro ficou furioso quando fiz uma sugestão num ensaio, entregou-me a batuta, disse então dirige tu e abandonou a sala. Confesso que fiquei feliz porque pensei que assim seria melhor para todos. Fizemos o ensaio geral sem maestro, correu muito bem, mas depois ele voltou para dirigir o concerto... assim-assim». Sobre um episódio oposto, Stabrawa conta que Karajan «notou algures num ensaio que um músico da última estante dos segundos violinos não estava satisfeito com uma arcada. Interpelou-o com a frase então mostre-nos como acha que seria melhor e o tal músico exemplificou de uma forma tão fabulosa que Karajan não teve outra hipótese senão dizer à orquestra todos assim, por favor». Neste caso, o maestro foi inclusivamente inspirado por um tutti dos segundos violinos, mas Stabrawa sublinha que «se o concertino tem uma ideia para um fraseado e pode demonstrar que essa ideia é boa, um bom maestro com certeza vai aceitar e agradecer a ideia.»
E como será estar sempre em foco e gerir essa pressão e essa responsabilidade no relacionamento do dia-a-dia com os próprios colegas? Stabrawa admite que «não é nada fácil» alcançar o equilíbrio ideal «porque há que ter sempre em consideração o fator humano. Mas mesmo em palco podes dizer algo específico e exercer crítica sem ter que apontar o dedo a alguém em concreto. É um exercício de compromisso, até porque cada músico é diferente e reage de uma maneira diferente.» Exige-se portanto um grande talento e uma grande sensibilidade no aspeto social. Sobre a competitividade interna, Stabrawa reconhece «com base na experiência com a (sua) orquestra, que as coisas foram mudando muito também internamente ao longo das últimas décadas, na medida em que o nível de cada músico subiu imenso e os tuttis têm a sensação de que também fariam bem o trabalho de concertino. Com toda a razão porque eles são mesmo muito bons!» Ainda assim, acredita que «se fazes um bom trabalho, à medida que vais envelhecendo na posição de concertino acabas por transformar a resistência da geração mais jovem em respeito.»
Mas afinal, como se perfila o concertino ideal? Por vários motivos, sem dúvida que as impressões e o critério podem diferir drasticamente do ponto de vista do público que ouve um concerto ou de um músico-colega sentado mesmo ao lado ou três ou quatro estantes atrás do tal candidato. Para Stabrawa, «um concertino deve poder ser avaliado nas duas posições da primeira estante, ou seja, tanto no lugar de concertino onde tem que mostrar iniciativa, como no lugar ao lado onde deve ser capaz de mostrar alguma iniciativa, mas também de se adaptar ao concertino em termos sonoros.» Subscrevo a ideia e o raciocínio: «claro que o mais importante é poder e saber liderar, mas também é importante ser flexível e mostrar que se é bom músico de câmara. Esta é, geralmente, a tarefa mais difícil que pode haver para um concertino.»
Estará então completamente ultrapassada aquela tradição ou mentalidade de que o concertino tem que tocar mais forte (notória, por exemplo, na esmagadora maioria das gravações mais antigas) e mover-se mais do que os restantes músicos? Confronto Stabrawa com a impressão pessoal de que, por vezes, o concertino ou outro chefe de naipe mostram imensa dinâmica e iniciativa em termos de expressão corporal, mas a orquestra ou o naipe não absorve nem processa esses impulsos. Stabrawa confirma que é «crucial observar até que ponto a orquestra entende e "aceita" o gesto do concertino e que o movimento excessivo é um desperdício de energia e, mais do que construtivo, pode mesmo chegar a ser irritante.» E confessa: «no início movia-me muito e depois reduzi significativamente esses movimentos porque percebi que não eram de todo necessários, até porque tanto os colegas como o maestro olhavam mais para o meu arco do que para o meu corpo.»
Com toda a subjetividade inerente a este tipo de assuntos e nunca esquecendo o velho e sábio ditado nem oito nem oitenta, não posso deixar de estar de acordo com Daniel Stabrawa. O excesso é excessivo e a dinâmica corporal deve ser equilibrada e minimizada quase até ao estritamente necessário. Porque no final das contas, o importante é fazer música de uma forma natural e coerente, e que a atitude e a liderança de um concertino seja uma referência e um incentivo para toda a orquestra, para o maestro e para o próprio público.
Bruno Borralhinho, Dezembro de 2021